G. I. Gurdjieff

Gurdjieff International Review

Uma Introdução aos

Escritos de G. I. Gurdjieff

por J. Walter Driscoll


Do Todo e de Todas as Coisas é o título geral que Gurdjieff deu aos três volumes de seus escritos mais importantes. Gurdjieff referiu-se a eles como a Primeira, a Segunda e a Terceira Séries.

1. Relatos de Belzebu a Seu Neto

Nas primeiras leituras, este livro enorme e rigoroso intimida até mesmo leitores acostumados a digerir textos complexos. Ele não entrega seus tesouros a uma análise prematura ou superficial, e o leitor não deve se deixar derrotar por sua aparentemente impenetrável obscuridade, nem se iludir pelo fato de o livro tomar a forma de um inédito romance de ficção científica, pois os Relatos de Belzebu são na realidade o veículo de grandes idéias e insights filosóficos, religiosos e psicológicos. As barreiras e complexidades do livro não resultam jamais de mera forma literária. Ele é labiríntico por muitas razões: por causa do alcance, profundidade e interdisciplinariedade daquilo que Gurdjieff está buscando; das proporções míticas e os elementos épicos que atravessam sua estrutura, e porque as muitas idéias profundas e perturbadoras que contêm esquivam-se à compreensão fácil. O leitor sério atentará para o aparentemente pomposo, mas realmente “Amigável Conselho” de Gurdjieff, de que é só na terceira leitura completa que se começa efetivamente a “provar e examinar a fundo sua substância.” O que Gurdjieff está buscando não é nada menos do que aquilo que sua imodestamente intitulada série de livros se propõe a apresentar; ou seja, tudo e todas as coisas que realmente importam.

O título principal da primeira série, Relatos de Belzebu a Seu Neto: Uma Crítica Objetivamente Imparcial da Vida do Homem é o centro em torno do qual gira a estrutura do livro. Viajando através do Universo na nave transespacial Karnak com seu neto Hassin, Belzebu compromete-se a promover a educação do menino. Hassin é um sensível, inteligente e perguntador menino de doze anos de idade. Durante sua prolongada viagem, Hassin questiona amplamente Belzebu acerca dos estranhos seres tricêntricos que habitam um pequeno planeta do remoto sistema solar para o qual Belzebu foi banido em conseqüência de sua rebeldia juvenil. Hassin se esforça para compreender porque os seres tricêntricos desse planeta “tomam o efêmero pelo Real.” Como Belzebu existe numa faixa de tempo que se estende por milhares de anos terráqueos e foi banido para Marte por toda a eternidade, seu exílio lhe dá a oportunidade de observar de perto os habitantes de nosso planeta. Belzebu conta suas estórias e usa essas observações da Terra feitas a partir de seu observatório em Marte e de seis descidas à Terra—aparentemente para instruir Hassin, mas na realidade para nos proporcionar uma crítica imparcial de nossas vidas.

A estrutura da trama proporciona a Gurdjieff uma plataforma épica que é balanceada entre um capítulo introdutório de cinqüenta páginas intitulado “O Despertar do Pensar”, e um igualmente longo capítulo final intitulado “Do Autor.” Nesses extensos capítulos, Gurdjieff fala ao leitor com suas próprias palavras. Próximo ao fim, Gurdjieff finalmente faz referência—à sua maneira característica, só de passagem—à nossa reduzida capacidade de concentrar nossa “atenção ativa” e a nossa dependência do fluxo de “associações automáticas.” Ele indica que o fluxo de “associações automáticas” em nós toma o lugar do que ele chama “pensar esseral ativo” e que a leitura atenta de seu livro pode nos ajudar a desenvolver esta função latente.

No que se refere aos Relatos de Belzebu, hipérboles reduzem-se a eufemismos. Único em vários sentidos, este talvez seja o único livro escrito em que o autor estudou cuidadosamente a reação de seu público de uma forma completa ao longo de mais de duas décadas e rescreveu-o com essas observações em mente. Nada neste livro, ou na reação do leitor a ele, é acidental. Relatos de Belzebu permanece—como Gurdjieff certamente pretendeu—o primeiro ponto de encontro para quem quer que esteja interessado em familiarizar-se com ele e com suas idéias.

Relatos de Belzebu foi publicado pela primeira vez como Do Todo e de Todas as Coisas: Dez livros em três séries das quais esta é a Primeira Série em New York pela Harcourt Brace em 1950, com 1238 páginas e em Londres pela Routledge & Kegan Paul em 1950 com 1238 páginas. A não ser por pequenas variações no título—que consistiam em reordenações das expressões Do Todo e de Todas as Coisas, Relatos de Belzebu e Crítica Objetivamente Imparcial da Vida do Homem—a correção contínua de erratas e a inclusão de dois parágrafos omitidos da 1a edição, o texto do livro permaneceu tal como publicado por Gurdjieff pela primeira vez em 1950. Esse texto foi desde então reeditado em capa dura e como brochura pela Dutton, Routledge & Kegan e, mais recentemente, pela Penguin / Arkana em 1999, em brochura, com correção cumulativa de diversos erros mínimos em edições anteriores. A exceção é Relatos de Belzebu a Seu Neto: Uma Crítica Objetivamente Imparcial da Vida do Homem, Do Todo e de Todas as Coisas / Primeira Série [Edição Revisada] publicada em New York e Londres pela Viking Arkana em 1992 com 1135 páginas e lançada sem prefácio editorial ou descrição de seu propósito, método ou fontes. Esta versão está em Inglês contemporâneo mais acessível do que aquele da edição que o precedeu. É amplamente baseada na tradução francesa de 1956 e incorpora novo estudo do manuscrito original em Russo—ambos diferindo um pouco em alguns trechos do texto em inglês. A primeira versão em Português está em fase final de revisão, devendo ser publicada no final de 2002 pela Horus Editora.

2. Encontros com Homens Notáveis

Revisto a partir do manuscrito não publicado do editor de Orage, e dos manuscritos originais em Russo, a autobiografia de Gurdjieff se inicia com uma introdução de trinta páginas, na qual ele discute sobre literatura como um dos mais importantes meios para o desenvolvimento da mente, “que é o principal estimulador do aperfeiçoamento de si” e lamenta a degradação da literatura contemporânea em relação a esse propósito. Ele confessa ao leitor que havia se tornado “hábil na arte de ocultar pensamentos sérios em uma forma exterior sedutora e de fácil apreensão”. Os dez capítulos que se seguem são, na superfície, dedicados a descrever a família de Gurdjieff, seus professores de escola, amigos e companheiros que compartilharam sua busca do conhecimento e da compreensão. Subjacente à forma exterior da atraente narrativa pessoal de Gurdjieff—da qual poucos detalhes podem ser verificados hoje, mais de cem anos depois—é a estória de sua busca decidida pela sabedoria psico-espiritual tradicional, que poderia levar ao conhecimento baseado no desenvolvimento do ser e ao “material necessário a uma nova criação.” O capítulo final não numerado é um adendo que contém a extensa narrativa chamada “A Questão Material”, na qual Gurdjieff responde com franqueza à pergunta sobre como suas extensas buscas e o Instituto que ele dirigia eram financiados. Em sua resposta, ele descreve a ingenuidade, versatilidade e o contínuo espírito de iniciativa que ele teve de pôr em prática, bem como o considerável ônus financeiro necessário para atingir seus objetivos.

Encontros com Homens Notáveis foi publicado pela primeira vez em New York pela Dutton em 1963 com 303 páginas, e em Londres pela Routledge & Kegan Paul em 1963 com 303 páginas. O texto foi relançado várias vezes em brochura, e mais recentemente em Londres e New York pela Penguin Arkana em 1985. A primeira versão em Português foi publicada no Brasil em 1980 pela Editora Pensamento.

3. A Vida Só É Real Quando “Eu Sou”

Um trabalho fragmentado que contém a maior parte das ponderações íntimas de Gurdjieff em Do Todo e de Todas as Coisas. Consiste em um prólogo e introdução que toma quase metade do livro, seguido por cinco breves conferências. O capítulo final intitulado “O Mundo Interior e Exterior do Homem” é interrompido subitamente no meio de uma frase e é, segundo John G. Bennett—um dos testamenteiros literários de Gurdjieff—a última coisa que Gurdjieff escreveu. Baseado no material autobiográfico de suas décadas de busca, bem como de seu trabalho com grupos na Europa e em especial nos Estados Unidos, com seu aluno e amigo, A. R. Orage, Gurdjieff adverte sobre práticas, lutas e o intenso sofrimento necessários para se chegar a uma representação “do mundo que existe na realidade.”

A Vida Só É Real Quando “Eu Sou” saiu pela primeira vez em 1975 em New York pela Triangle Editions, numa edição privada com 170 páginas com prefácio de Jeanne de Salzmann e nota introdutória de Valentin Anastasieff. A 2a Edição, que inclui dez páginas adicionais da edição francesa de 1976, saiu pela primeira vez em 1978, numa edição privada publicada em New York pela Triangle Editions com 177 páginas. Foi relançada pela Routledge & Kegan Paul em 1981, pela Dutton em 1982, e, mais recentemente, em brochura pela Penguin Arkana em 1991. A primeira versão em Português foi publicada no Brasil em 2000 pela Horus Editora.

Os Escritos de Gurdjieff: Complemento

Gurdjieff Fala a Seus Alunos: Primeiras Conferências em Moscou, Essentuki, Tíflis, Berlim, Londres, Paris, New York e Chicago Compiladas por Seus Alunos. Prefácio de Jeanne de Salzmann. New York: Dutton, 1973, 284 páginas; Londres: Routledge & Kegan Paul, 1973, 284 páginas; Versão Abreviada com Nova Introdução, New York: Dutton, 1975, 276 páginas; Londres: Routledge & Kegan Paul, 1976, 276 páginas, Londres and New York: Arkana, 1984, 276 páginas. A primeira versão em Português foi publicada no Brasil em 1987 pela Editora Pensamento.

Notas sobre quarenta (trinta e nove na edição em brochura) conferências que Gurdjieff deu entre 1914 e 1930. A introdução à edição em brochura indica que “As Conferências foram comparadas e reordenadas com a ajuda de Madame de Hartmann, que desde 1917 em Essentuki esteve presente a esses encontros e pôde assim garantir sua autenticidade.” Essas notas proporcionam um registro vital do enfoque fluido e “exigente de uma busca” inerente à tradição oral da qual Gurdjieff emergiu e à qual deu continuidade. Elas complementam seus escritos e proporcionam um vislumbre de um ensinamento que é para ser praticado, e não apenas apreendido como informação. Ele também contém o artigo “Vislumbres da Verdade”—relato de uma conversa com Gurdjieff que Ouspensky leu pela primeira vez em 1915 e citou em seu Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido.

Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido. Por P. D. Ouspensky. New York: Harcourt Brace; 1949, 399 páginas, índice; Londres: Routledge & Kegan Paul, 1950, 399 páginas, índice; foi relançado em brochura várias vezes.

Este registro preciso e vívido das Conferências de Gurdjieff em Moscou, São Petersburgo e Essentuki entre 1915 e 1918 foi feito por P. D. Ouspensky em 1925 com a aprovação de Gurdjieff. O manuscrito mais antigo data de 1925, mas Ouspensky continuou a trabalhar nele até a década de trinta, quando o leu para seus grupos. Por decisão sua, permaneceu fora do prelo até sua morte em 1947, talvez porque ele tenha se recusado a permitir a publicação de qualquer informação sobre “o sistema” durante sua vida. O manuscrito praticamente completo foi levado à atenção de Gurdjieff por Madame Ouspensky, e, com seu estímulo, publicado no outono de 1949. Embora cubra um terreno semelhante em seus trechos, sua leitura e estrutura de diálogos apresentam um drástico contraste com o épico mitológico de Gurdjieff nos Relatos de Belzebu. A primeira versão em Português foi publicada no Brasil em 1983 pela Editora Pensamento.

Adaptação Para o Cinema

Encontros com Homens Notáveis: filme dirigido por Peter Brook [e Jeanne de Salzmann]. New York: Remar Productions, 1979, [1 h. 50 min.]; Gravação em vídeo (VHS) com a variante no subtítulo: A Busca de Gurdjieff Pelo Conhecimento Oculto. New York: Sociedade Para o Estudo do Mito e da Tradição, 1997, Parabola Video Release.

Filmado com a colaboração próxima de Jeanne de Salzmann, o filme sintetiza a estória contada na autobiografia de Gurdjieff, da busca de sua juventude através do Oriente Médio por um contato com as tradições antigas da sabedoria e uma compreensão precisa do propósito da vida humana. O filme termina com uma demonstração arrebatadora dos Movimentos de Gurdjieff—a única demonstração disponível para o público.

~ • ~
Esta sinopse foi extraída do livro do autor intitulado Gurdjieff: a Reading Guide and Interim Bibliography (Gurdjieff: Guia de Leitura e Bibliografia Transitória) que descreve escritos de Gurdjieff e cerca de oitenta livros-chave escritos sobre ele. Tradução para o Português: por Sociedade para o Estudo e Pesquisa do Homem–Instituto Gurdjieff, Rio de Janeiro, Brasil. Em 13 de Novembro de 2001.
English Copyright © 1999 J. Walter Driscoll
This webpage © 2002 Gurdjieff Electronic Publishing
Revision: October 11, 2002